terça-feira, 13 de setembro de 2011

POR QUE CANTAMOS - Poema de Mário Benedetti

Por que cantamos

Mário Benedetti

Se cada hora vem com sua morte 
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel 

você perguntará por que cantamos 

se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza 
e o coração do homem se fez cacos 
antes mesmo de explodir a vergonha 

você perguntará por que cantamos 

se estamos longe como um horizonte 
se lá ficaram as árvores e céu 
se cada noite é sempre alguma ausência 
e cada despertar um desencontro 

você perguntará por que cantamos 

cantamos porque o rio esta soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino 

cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes 
e nossos mortos querem que cantemos 

cantamos porque o grito só não basta 
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota 

cantamos porque o sol nos reconhece 
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto 
cada pergunta tem a sua resposta 

cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos nem queremos
deixar que a canção se torne cinzas.


***************************************


Mario Benedetti

(Paso de los Toros,
14 de setembro de 1920 — Montevidéu, 17 de maio de 2009)
Foi um poeta, escritor e ensaísta uruguaio. Integrante da Geração de 45, a qual pertencem também Idea Vilariño e Juan Carlos Onetti, entre outros. 


Considerado um dos principais autores uruguaios, ele iniciou a carreira literária em 1949 e ficou famoso em 1956, ao publicar "Poemas de Oficina", uma de suas obras mais conhecidas.
Benedetti escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema.

Nenhum comentário:

Postar um comentário